Promover a saúde mental e prevenir transtornos psiquiátricos no ambiente escolar são as finalidades do Cuca Legal, novo programa do Sistema de Proteção Escolar, da Secretaria Estadual da Educação em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O ponto de partida é sensibilizar os docentes para essas questões, com base na constatação de que tais transtornos frequentemente têm início na idade escolar.
Para o programa, foram treinados, no ano passado, 318 professores mediadores de escolas da capital, Região Metropolitana de São Paulo e dos municípios de Sorocaba, Ribeirão Preto, Taboão da Serra e Santos. Eles têm agora a missão de estimular o autoconhecimento e a empatia entre seus alunos, bem como identificar e reduzir os fatores de risco para transtornos mentais.
Traumas de infância, timidez excessiva, queda repentina de rendimento, piora no desempenho e mudanças de comportamento são alguns dos fatores considerados de risco para o desenvolvimento de doenças mentais entre crianças e jovens.
Mais do que identificar sinais, os docentes aprendem a interpretar de maneira correta certas manifestações: “É comum as pessoas terem uma visão reducionista a respeito de alguns transtornos mentais: um jovem magro demais não é necessariamente anoréxico, assim como uma criança agitada e indisciplinada nem sempre sofre de transtorno de hiperatividade, esclarece o psiquiatra e pesquisador da Unifesp, Gustavo Estanislau, um dos gestores do Projeto Cuca Legal. “Sensações como ansiedade e tristeza, quando transitórias e pontuais, não são patologias”, completa.
Afastar o estigma – A meta é que o professor mediador esteja apto a perceber os sinais e tenha o discernimento necessário para observar seus alunos e orientar os pais a tomarem uma atitude enquanto a doença ainda não se instalou. Em casos extremos, é preciso fazer o encaminhamento aos órgãos de saúde. Outro objetivo do programa é afastar o estigma a que essas questões estão atreladas para permitir o entendimento da saúde de maneira integral.
“Se pudermos identificar certos aspectos precocemente, conseguiremos dar ao aluno o tratamento correto, com alternativas não médicas, como a terapia ocupacional, a psicopedagogia, ou até mesmo incentivá-los à prática de esportes coletivos ou atividades de lazer”, avalia o psiquiatra. Ele lembra um documento publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria que adverte que 80% dos encaminhamentos feitos por escolas a Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) não têm a gravidade sugestiva para um encaminhamento psiquiátrico.
Treinamento – Graduados pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores Paulo Renato Costa Souza (Efap), os professores mediadores já têm uma atuação diferenciada no seu dia a dia, agindo na mediação de conflitos, resolução de problemas de convivência, entre outros. Para integrar o Cuca Legal, eles passaram por treinamento de 40 horas. O programa incluiu os temas de saúde mental (70% do conteúdo) e emoções (30%). Este último abordou as principais manifestações clínicas de transtornos, como depressão, esquizofrenia, ansiedade, transtorno bipolar, entre outros.
A professora Ermínia Ângela de Paula Ribeiro, da EE Lívia Xavier (Itaim Paulista), afirma que o programa ampliou seu olhar para os alunos muito quietos: “Muitas vezes, ficamos com a atenção tão voltada aos mais travessos que não percebemos que aqueles excessivamente quietos podem ser os que mais necessitam de ajuda”. Participante do piloto do Cuca Legal, realizado em 2013 com 90 professores, ela utilizou os conhecimentos adquiridos para ajudar uma aluna, muito quieta, acima do peso, vítima constante de bullying e, como consequência, com baixo rendimento nas aulas.
Descobriu que a estudante enfrentava sérios problemas em casa, com o pai alcoólatra. A saída, nesse caso, foi a inclusão da garota no grêmio estudantil. Hoje, ela é vice-presidente da entidade, usa a própria experiência para ajudar outras vítimas de bullying e ainda conseguiu passar de ano, depois de quatro reprovações. A mãe da menina também participou do processo e hoje integra o conselho de classe da escola. “Estabelecer um diálogo e acessar o mundo daquele aluno aparentemente problemático são ações essenciais para evitar possíveis transtornos mentais futuros”, enaltece a professora.
DOE, Executivo I, 01/01/2015, p. I