Campanha esclarece critérios para doação de órgãos e tecidos

Como posso ser doador de órgãos e tecidos? É preciso deixar o consentimento
por escrito? Quais doenças impedem o ato voluntário? Perguntas como essas foram esclarecidas ontem, durante a campanha do Instituto Central (IC) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP) para celebrar o Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos e o Dia Nacional do Doador de Órgãos e Tecidos (27/9).

Instituto Central do Hospital das Clínicas informa que qualquer pessoa pode ser doadora, desde que seja diagnosticada sua morte encefálica; familiares devem saber que, embora o coração continue batendo, essa condição é irreversível

Médicos e residentes, transplantados, pacientes na fila de transplante e profissionais da Organização de Procura de Órgãos (OPO) do HC entregaram panfletos e fitinhas na cor verde (símbolo da doação) a centenas de pessoas que circulavam na entrada do Prédio dos Ambulatórios do ICHC e também respondiam a seus principais questionamentos.

A hepatologista Débora Terrabuio, uma das coordenadoras da campanha,
explica que qualquer pessoa está apta a doar órgãos e tecidos desde que tenha diagnóstico de morte encefálica: “Ainda em vida, a pessoa deve informar seu desejo aos familiares. Precisamos desmistificar a ideia de que
é necessário deixar autorização por escrito. Após uma série de exames no falecido, os médicos verificam a aptidão para a extração, e uma equipe de saúde do hospital aproxima-se dos parentes para avaliar o consentimento”.

Impedimentos – A médica informa que alguns tipos de tumores malignos e de
doenças infectocontagiosas impossibilitam o gesto de solidariedade. Uso não abusivo de álcool, tatuagem, pressão alta e diabetes não excluem a doação de órgãos. “Hoje também é dia de agradecer aos familiares que permitiram a doação de órgãos de entes mortos, pois eles são heróis na vida de outras pessoas”, enaltece a coordenadora.

Para o enfermeiro Edvaldo Leal de Moraes, vice-coordenador da OPO do HC, que viabiliza a extração de órgãos e tecidos em 35 hospitais da zona oeste da
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), uma das principais dificuldades
no dia a dia do trabalho é a falta de esclarecimento dos parentes em relação ao conceito de morte encefálica: “Quando há o diagnóstico de morte encefálica, o coração continua batendo com o auxílio de equipamentos e medicamentos, mas as pessoas acham que o parente ainda está vivo. Os familiares precisam ser esclarecidos que a morte encefálica é irreversível”.

Moraes diz que, no Estado de São Paulo, do total de famílias entrevistadas
diante da morte encefálica, de 37% a 40% negam a doação de órgãos e tecidos
por causa de crenças religiosas, fé de que o quadro será revertido, ocorrência de um milagre e medo de que o corpo do doador seja deformado.

Sem deformidades – A retirada de órgãos e tecidos segue as normas da cirurgia moderna. O doador pode ser velado de caixão aberto e não há deformidades no corpo. Para doação de tecido, por exemplo, útil em paciente com grandes queimaduras, o cirurgião remove tecidos das costas e parte posterior dos membros inferiores. “Essas áreas extraídas são invisíveis na hora da velação”, garante o enfermeiro.

Para aproximar-se dos enlutados e sugerir a doação de órgãos e tecidos adequadamente, a OPO do HC realiza 16 cursos por ano destinados às equipes de saúde dos hospitais da zona oeste da RMSP. “Abordamos como eles devem lidar com a notícia da morte e transmiti-la aos familiares, e dar esclarecimentos sobre o ato voluntário”, informa Moraes.

Ele diz que percebe resultado positivo da capacitação em algumas unidades de saúde, nas quais se registra aumento de consentimentos de captação de órgãos e tecidos.

“De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO),
pelo menos 36 mil pacientes aguardam por um transplante no Brasil, e 1.850 pessoas morrem por ano antes de receber um órgão compatível”, anuncia o presidente da organização não governamental Viva Transplante, Wagner Luís Ferreira. Para ele, a principal mensagem da data é que a pessoa deve informar a seus familiares o desejo de ser doador. A ABTO registra 12 mil casos de morte encefálica por ano no País.

Mais disposição – Submetido ao transplante de fígado em 2009 por causa
de hepatite C, cirrose e câncer no fígado, Ferreira relata os benefícios do procedimento à sua saúde: “Ganhei 15 quilos, tenho mais apetite, vigor físico e disposição”.

A aposentada Nilza da Silva, 56 anos, residente em Ermelino Matarazzo, zona
leste da capital paulista, faz hemodiálise no HC três vezes por semana. Sem os dois rins, ela enfrenta uma série de problemas de saúde, caminha com dificuldades e aguarda há oito anos por rins compatíveis.

Na sua opinião, um dos entraves para o aumento da captação de órgãos é a falta de capacitação de profissionais de saúde em hospitais brasileiros para auxiliar a doação de órgãos entre os familiares. “Aqui no HC, a equipe é muito carinhosa e sabe fazer essa abordagem, mas essa não é a realidade em
todo o País. Tanto é que muitos pacientes ainda vêm de outros Estados brasileiros fazer transplante aqui.”

Para o médico Wellington Andraus, coordenador do Serviço de Transplantes
do Aparelho Digestivo do HC, a expectativa é realizar 2 mil transplantes de fígado no Brasil até o final do ano. No entanto, ele diz que existem 5 mil pessoas à espera de um fígado compatível. “Mais de 40% dos pacientes morrem na fila.”

Esclarecimento – Andraus acredita que muitas pessoas não pensam na possibilidade de óbito, querem ser doadoras, mas não manifestam seu desejo aos familiares. “Entretanto, na hora da morte, a família não doa, apesar de ter sido o desejo da pessoa, que não se expressou”. O médico diz que hoje o transplante é excelente opção de tratamento quando o paciente apresenta
insuficiência de um órgão. “O transplante oferece importante ganho de sobrevida, mas esse procedimento depende do esclarecimento das pessoas”, afirma.

No ano passado, o IC realizou 518 transplantes, dos quais 195 de rins, 117 de
medula óssea, 101 de fígado, 94 de córnea e 11 de pâncreas.

Viviane Gomes
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

DOE – Seção I, p. IV