Crítica romance
ALFREDO MONTEESPECIAL PARA A FOLHA
Se os franceses inventaram o “roman-fleuve” (romance-rio), Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira, em sua estreia no gênero, criou o “romance-aluvião”.
As 448 páginas de “As Visitas que Hoje Estamos”, as quais apresentam de ponta a ponta férreo controle do autor, inclusive nos aspectos gráficos, são uma experiência caudalosa até para calejados, com sua vozearia (inúmeros personagens tomam a palavra, num “ruído geral”, “apenas porque na verdade ninguém escuta nada”), vinhetas, poemas jocoso-sérios, fotografias, aforismos, mesmo uma peça, “Os olhos de Jussara” (deixada por um ator-escritor suicida), que enlaça incesto e câncer e cuja ação se intercala ao longo do texto.
Na raivosa e contundente enchente narrativa, vêm arrastados o Brasil profundo, o povo brasileiro em sua condição de arquétipo e os pequenos nadas da vida: a passagem do tempo, a instabilidade econômica, altos e baixos da sorte, atos sórdidos, guerras conjugais, solidão, lendas urbanas, e a maciça presença dos santos.
Muita religiosidade e, não obstante, desordem geral, desalinho de todo o tecido social, dificultando o fio dos relatos: “…e isso é um deus nos acuda de desvios.”
Como toda experiência radical, a obra causa tanto estranheza quanto fascínio, lembrando algo de Dalton Trevisan e de Hilda Hilst. Ao fim e ao cabo, é um livro formidável.
E conforme sua reputação crescer, como acredito que acontecerá, maior será o perigo para o autor: porque agora dele só esperaremos coisas superlativas. Não queria estar em sua pele.