Um escritor de direita, um ilustrador de esquerda e um projeto singular: tornar compreensível a crise portuguesa (e europeia) para os pequenos. O resultado, publicado em maio em Portugal, é o livro “A crise explicada às crianças”, que contém de um lado uma história “para miúdos de direita” e no verso outra, para os “miúdos de esquerda”.
A crise europeia pode não ser um assunto dos mais triviais, com as constantes notícias sobre crise da dívida soberana, austeridade fiscal, contrapartidas a financiamentos internacionais, risco-país etc. O escritor João Miguel Tavares valeu-se de metáforas: em uma ponta, os ursos gordos, que acabam comendo mel demais – os países e seus déficits -, e na outra as abelhas (os mercados), que, furiosas por mais mel, causam problemas. Em um lado da história a culpa recai sobre os ursos obesos, enquanto do outro as abelhas são as vilãs.
Tavares define o livro, sua primeira incursão publicada na literatura infantil, como “um objeto incaracterístico”. Segundo ele, além do público-alvo infantil, há um aceno para os mais velhos, de crítica ao “modo como infantilizamos o debate político em Portugal e na Europa de todas as crises”. O escritor e jornalista, colunista do “Correio da Manhã”, afirma que há ainda uma dose de sarcasmo, já que ele conseguiu reduzir a crise a uma metáfora de ursos e abelhas. “Vejam como o nosso debate político se tornou tão primário que até pode ser transformado em uma história da carochinha”, diz, criticando “a falta de sofisticação do pensamento atual” diante da crise.
A escolha de um ilustrador de esquerda é explicada com a intenção de perpetuar o jogo de opostos também na produção do livro. Tavares afirma que o método de trabalho foi “pouco democrático, mas eficaz”, já que as duas versões foram finalizadas antes por ele e só então enviadas ao ilustrador. “Depois ele se vingou, desenhando-me com camisa de listras, sapato de camurça e um cadeirão dourado que nunca usei na vida. Além disso, como é próprio da esquerda, estourou o prazo em dois meses.”
O lançamento do livro contou com um convidado ilustre: o ministro das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar. Tavares diz que a atitude do ministro foi amável, mas contribuiu para enviesar a recepção à obra, pois alguns viram nela um panfleto, enquanto ele ressalta que se trata de um livro para crianças, com duas versões distintas. De qualquer forma, o envolvimento do ministro alavancou a cobertura na imprensa, despertando também a curiosidade internacional. “Só falta chegarem convites de editoras internacionais. “Os líderes alemães, gregos, espanhóis e outros que tais bem que podiam ler ‘A Crise Explicada às Crianças’ aos filhos e netos”, diz.
À pergunta de se pretende explorar mais o filão de livros sobre a crise, diante do delicado cenário europeu, Tavares esquiva-se. Diz que não é economista nem tem nada de particularmente original a dizer sobre o tema. Recomenda, sobretudo, bom-senso. “‘A Crise Explicada aos Adultos’ é tarefa para outros.”
João Miguel Tavares e Nuno Saraiva. Editora: Esfera dos Livros. 48 págs., R$ 41,90
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