Governo de SP veta 90% dos projetos aprovados pela Assembleia
Casa acumula 621 propostas barradas ao longo dos anos por serem consideradas inconstitucionais; para especialistas, deputados deixam de apreciar vetos para evitar atritos com Executivo

 

14 de fevereiro de 2013 | 11h 38

Daiene Cardoso, da Agência
Estado

Enquanto a Câmara Federal tem em pauta mais de 3 mil vetos
presidenciais para analisar, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp)
coleciona uma lista de 621 projetos vetados ao longo dos anos pelo Executivo e
que não têm perspectiva de serem apreciados pelos parlamentares. Apesar de
serem submetidas a todos os trâmites legislativos, incluindo a aprovação na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – responsável pelo estudo da
viabilidade técnica do projeto de lei -, cerca de 90% das proposições aprovadas
na Casa não passam pela sanção do governador por inconstitucionalidade. Na
opinião de alguns analistas, a Assembleia se torna “submissa” ao
deixar de apreciar os vetos para não se indispor com o Executivo.

 

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“A inconstitucionalidade carrega subjetividade. Isso é
indiscutível, fosse diferente não teríamos Adins (Ações Diretas de
Inconstitucionalidade) e a própria possibilidade de derrubarmos os vetos.
Assim, sempre que conveniente, o governo veta sob tal justificativa e desagrada
a parte dos parlamentares”, comentou o cientista político Humberto Dantas.
“Lembremos, no entanto, e a exemplo do Congresso, que o Legislativo tem
sempre a última palavra. E nesse caso, podendo derrubar o veto, por que não o
faz? Simples: para não desagradar ao Executivo. Mas por que não desagradar se
existe algo errado? Porque o legislador tem no governo uma série de benefícios que
não deseja perder: cargos, verbas etc. Têm pouca relevância a CCJ e seu parecer
de constitucionalidade”, disse o analista.

 

Com uma pauta recheada de vetos (alguns dos projetos são de
1997), a bancada do PT pretende pressionar o próximo presidente da Casa para
discutir em plenário as proposições vetadas. “A gente não tem oportunidade
de discutir o veto. Nessa legislatura nunca se votou nenhum veto. Faz muitos
anos que não se apreciam vetos”, reclamou o deputado estadual Alencar
Santana (PT). “O processo legislativo não se fecha se não apreciarmos os
vetos. Está faltando essa última etapa”, acrescentou.

 

O deputado cita como exemplo o projeto de lei 122 (de 2005),
de autoria do também petista Antonio Mentor, que “obriga as lanchonetes e
similares, instaladas nas escolas de ensino fundamental e médio, a seguirem
padrões técnicos de qualidade nutricional que assegurem a saúde dos
consumidores”. Alencar ressalta um parecer de 2012 do relator especial
pela Comissão de Justiça e Redação, favorável ao projeto que prioriza a saúde
dos alunos da rede estadual, e critica o argumento para o veto. “O
governador alegou que a Assembleia infringiu a competência do Executivo, mas o
que o deputado quis foi restringir esses produtos. A Assembleia tem
responsabilidade sobre o assunto e sua opinião reflete a opinião da população
também”, disse.

 

O petista afirma que os projetos aprovados na Assembleia têm
base jurídica e são de interesse da população, mas ao barrá-los o Executivo
acaba “desrespeitando” o Legislativo. “A partir de uma
interpretação constitucional, o governador fundamenta uma vontade
política”, acredita o deputado. Santana lembra que o governo tem maioria
na Casa e acaba impondo seus interesses, conseguindo também limitar o espaço
para a votação dos projetos dos parlamentares. “A pauta fica à mercê do
que o governador quer”, criticou.

 

O atual presidente da Assembleia, o tucano Barros Munhoz,
admitiu que os projetos de interesse do Executivo são priorizados, uma vez que
o governo tem maioria na Casa. “É lógico que prevalecem os projetos de
interesse do Executivo, é assim em qualquer Parlamento do mundo. É o jogo da
política”, respondeu o deputado, comparando o equilíbrio de forças na
Assembleia paulista com a Câmara dos Deputados, onde o governo federal tem
maioria parlamentar.

 

Limitações. Munhoz destacou que Legislativo sofre um
processo de enfraquecimento, uma vez que 90% dos projetos só podem ser
propostos pelo Executivo – parlamentares são impedidos de apresentar projetos
que aumente ou reduza a receita, por exemplo. “O Legislativo é
castrado”, afirmou. O próprio governo estadual sofre limitações para
propor projetos de lei, já que

 

90% destes, ressalta Munhoz, são de prerrogativa da União.
“Tudo é privativo da União”, emendou. O deputado disse que “a
pauta da Assembleia está rigorosamente em dia” e que é difícil colocar os
vetos em votação por “falta de consenso” entre os líderes.
“Milagre não consigo fazer”, afirmou.

 

Segundo o tucano, torna-se comum o governo estadual declarar
a inconstitucionalidade dos projetos aprovados na Assembleia. “90% dos
projetos aprovados são vetados e 90% deles são vetados com argumentos
sólidos”, justificou. De acordo com ele, ao não derrubar os vetos, a Casa
evita que os desdobramentos cheguem ao Judiciário através de Adins. “Aí o
governo ganha”, avaliou.

 

Inconstitucionalidade. Passado o mês de dezembro – quando a
Assembleia votou os projetos de iniciativa dos parlamentares – e o prazo para
veto ou sanção das leis, o Diário Oficial trouxe uma nova leva de negativas do
governador. A maior parte dos vetos é sustentada pelo argumento da
inconstitucionalidade das proposições. “Vejo-me na contingência de vetar a
medida em face de sua irremissível inconstitucionalidade”, alegou o
governador, por exemplo, ao barrar a propositura que regularia a publicidade de
alimentos e bebidas pobres em nutrientes. “Vejo-me compelido a negar
sanção ao projeto, em face de sua inconstitucionalidade”, repetiu o texto
do veto ao projeto que criaria o “Espaço Família” em shopping centers
e hipermercados.

 

A coordenadora de projetos de Educação Política da ONG Voto
Consciente, Rosângela Giembisnky, afirmou que um estudo da entidade sobre a
legislatura anterior apontou que em 4 anos apenas 70 projetos relevantes foram
sancionados. “Os índices de veto são muito altos”, considerou.

 

Procurada, a Casa Civil do governo estadual, responsável
pela análise dos projetos de lei, destacou a independência dos Poderes e disse
que não comentaria a quantidade de projetos aprovados na Assembleia e vetados
pelo governador. “A Assembleia Legislativa debate cada projeto e cabe ao
governador analisar a sua constitucionalidade para, posteriormente, haver
sanção ou veto. As relações do governo com a Alesp e com o Judiciário são
respeitosas pelo fato de não haver interferência ou ingerência de um sobre o outro”,
respondeu a coordenação de Comunicação da Casa Civil.

 

Rosângela, da Voto Consciente, lembrou que, apesar de a
Constituição dar pouca margem de ação para as Assembleias e da sequência de
falhas no processo legislativo (o que abre brechas para a aprovação de projetos
inconstitucionais), a “banalização” do argumento jurídico utilizado
nos vetos precisa ser vencida. “Nosso Legislativo é muito fraco. Nós temos
uma Assembleia submissa e um governo autoritário. Os deputados precisam votar
isso sim, eles precisam enfrentar a questão”, disse a coordenadora, que
acompanha os trabalhos da Casa desde 1993.

 

“A situação em São Paulo não é muito diferente de uma
série de Estados, cidades e da própria União. É praxe e mostra a distância
expressiva entre o que se espera de um parlamento e sua real ação”,
avaliou Humberto Dantas.

 

Fonte: Estadão.com.br