Municípios com biometria têm abstenção 36% menor
Diferença permite estimar o tamanho da desatualização do cadastro do TSE

Nos locais em que houve recadastramento, 14,3% não apareceram para votar; nas outras áreas, taxa foi de 22,2%

RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO

Uma projeção matemática simples feita com base nos números da eleição sugere que o cadastro da Justiça Eleitoral pode ter um “excedente” de até 9,5 milhões de eleitores. Boa parte deles, mortos que continuam computados como pessoas aptas a votar.

Esse seria, aproximadamente, o tamanho da desatualização da listagem de TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que reúne 142,8 milhões de votantes em todo o país.

O total de 9,5 milhões é comparável com o eleitorado da Bahia, o quarto maior colégio eleitoral do país.

Ou o equivalente a quase o triplo da vantagem da presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) sobre o senador Aécio Neves (PSDB) no segundo turno da eleição presidencial.

Na contabilidade oficial, esse montante acaba sendo computado como abstenção. Seriam, conforme a explicação mais comum, eleitores mortos cuja notícia do óbito ainda não chegou ao TSE.

O cálculo dos 9,5 milhões é feito a partir dos dados de abstenção nos municípios que fizeram recadastramento recente para implementação do sistema de identificação de votantes pela impressão digital, a biometria.

Nas 756 cidades em que a Justiça Eleitoral já promoveu o recadastramento de mais de 97% dos eleitores locais, a taxa de abstenção do segundo turno foi de 14,3%.

Já nos 4.808 municípios restantes (98% deles com menos de 5% dos eleitores locais recadastrados), a abstenção foi de 22,2%. Uma diferença de quase oito pontos percentuais. Ou 36%.

Em todo o Brasil, a taxa de abstenção do segundo turno foi de 21,1%.

Os 9,5 milhões de eleitores excedentes são estimados projetando-se o “padrão biometria de abstenção” (14,3%) nos municípios não recadastrados. No lugar de 26,8 milhões de faltosos nesses locais, seriam 17,3 milhões.

No primeiro turno, os percentuais de abstenção foram parecidos: 20,4% nos locais sem recadastramento, 12,9% nas áreas recadastradas.

A experiência tem mostrado que a implementação da biometria funciona como uma espécie de faxina na listagem de eleitores do TSE.

Há outras hipóteses para explicar diferenças tão grandes na abstenção.

Uma delas é a anulação do título de eleitor das pessoas que eventualmente perderam a data para fazer o recadastramento obrigatório.

A mais repetida, porém, é mesmo a da defasagem das notificações de óbito, problema que expõe uma deficiência da Justiça Eleitoral.

RECORDES

A comparação das abstenções dos locais com e sem recadastramento mostra que, com biometria, nenhuma área tem mais de 37% de faltosos.

Na lista dos locais sem recadastramento, porém, 105 municípios tiveram abstenção superior a 37%.

A cidade campeã em eleitores faltosos é Melgaço, no Pará, com 44,6% de abstenção no segundo turno. Lá, só 0,1% usou a biometria.

Já a mais baixa abstenção do país foi em Maratá, Rio Grande do Sul, com 4,6%. Lá, todos os votantes estavam devidamente recadastrados no dia da eleição.

Folha de S. Paulo