STF começa a julgar correção da poupança em planos econômicos
Quase 400 mil ações judiciais aguardam julgamento do tema pelo Supremo.

27/11/2013 11h43- Atualizado em 27/11/2013 11h43

Darlan Alvarenga, Mariana Oliveira e Simone CunhaDo G1, em Brasília e em São Paulo

poupança STF julgamento (Foto: Editoria de Arte/G1)

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira (27) o futuro de quase 400 mil ações que tramitam no Judiciário e pedem ressarcimento por supostas perdas na caderneta de poupança decorrentes de planos econômicos das décadas de 1980 e 90.

Naquele período, como tentativa de conter a hiperinflação, o governo lançou planos econômicos que alteraram o cálculo da correção monetária dos saldos de poupança – planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991).

Segundo o procurador do Banco Central Isaac Sidney Menezes Ferreira, uma decisão pró-poupadores pode prejudicar a concessão de crédito no país – a retração, segundo as estimativas, chegaria a R$ 1 trilhão. O prejuízo causado aos bancos, também segundo Ferreira, seria de R$ 149 bilhões em valores atualizados, o que significa um quarto do capital do sistema financeiro.

“Em alguns casos, a descapitalização poderia levar à insolvência de instituições de porte, provocando grande turbulência no mercado financeiro, com impacto bastante negativo sobre a estabilidade econômica. (…). A forte redução do capital das instituições limitaria sobremaneira sua capacidade de concessão de crédito”, afirma, em documento sobre o assunto, o Ministério da Fazenda.

Analistas ouvidos pelo G1 avaliam que a determinação de um ressarcimento por perdas na caderneta de poupança no passado poderia gerar turbulência no sistema financeiro do país, podendo afetar inclusive o resultado do PIB (Produto Interno Bruto).

Para órgãos de defesa do consumidor, contudo, a aplicação das novas taxas de correção da poupança teriam sido aplicadas antes dos prazos devidos, fazendo com que os poupadores perdessem a correção da inflação nesses períodos.

Especialistas em direito do consumidor consultados pelo G1 argumentam que a decisão de que a correção é devida traria tranquilidade e confiança à poupança, já que estabeleceria que as regras da aplicação serão cumpridas, diz a economista do Idec, Ione Amorim.

Como o prazo de prescrição previsto em lei é de 20 anos, os consumidores não podem mais entrar com novas ações individuais contra os planos. Nesses casos, conforme especialistas, os consumidores que se julgam lesados devem procurar entidades de defesa do consumidor que já estão com ações em andamento.

Apesar de estar na pauta do STF desta quarta, alguns ministros do tribunal, como Marco Aurélio Mello, defendem o adiamento do julgamento para o início de 2014, a fim de que não seja interrompido pelo recesso judiciário do fim de ano. O Supremo terá mais oito sessões antes do início do recesso, mas alguns, em razão de compromissos oficiais, não participarão de todas as sessões.

  

Ações


 Muitas pessoas com dinheiro na poupança naquela época entraram na Justiça com ações individuais pedindo que a correção fosse feita com base na inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC). Entidades também ingressaram com ações coletivas (ações civis públicas), que podem beneficiar os poupadores que fazem parte dessas ações.

Somente em relação aos planos Bresser e Verão há 279.365 ações em todo o país aguardando decisão do Supremo, apontam dados do tribunal. As ações que questionam o plano Collor I são 74.463 e o Collor II, 42.121.

Em relação aos planos Bresser e Verão há 279.365 ações em todo o país aguardando decisão do Supremo, apontam dados do tribunal. As ações que questionam o plano Collor I são 74.463 e o Collor II, 42.121.

Por determinação do ministro Dias Toffoli, um dos relatores do tema no STF, quase 400 mil processos estão com a tramitação suspensa, desde 2010, à espera de uma decisão do STF.

Somente em relação aos planos Bresser e Verão há 279.365 ações em todo o país aguardando decisão do Supremo, apontam dados do tribunal. As ações que questionam o plano Collor I são 74.463 e o Collor II, 42.121.

  

Processos


 Estão na pauta do Supremo cinco processos – todos vindos do setor bancário contestando o direito ao ressarcimento aos poupadores.

Um dos processos é uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), de autoria da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), pede que sejam consideradas inconstitucionais todas as decisões contrárias aos planos econômicos já tomadas em outras instâncias da Justiça.

A Consif afirma que alguns tribunais violaram os princípios constitucionais do “direito adquirido” e do “ato jurídico perfeito”, além de, segundo a confederação, afrontarem o poder monetário da União e do Congresso Nacional previsto na Constituição. O relator da ação é o ministro Ricardo Lewandowski.

Há ainda quatro recursos de bancos contra decisões favoráveis aos poupadores tomadas por outros tribunais. Dias Toffoli é relator de um recurso do Itaú e outro do Banco do Brasil. O ministro Gilmar Mendes relata um recurso do Banco do Brasil e outro do Santander.

Os quatro processos questionam decisões que determinaram correções pela inflação. O STF reconheceu “repercussão geral” sobre o tema, ou seja, a decisão tomada deverá ser adotada por todas as instâncias do Judiciário em processos semelhantes.

  

O que o Supremo vai decidir


 Em julgamento conjunto das cinco ações, o STF vai analisar os índices de correção a serem adotados para o pagamento das perdas nos quatro planos econômicos.

Se o tribunal entender que o percentual utilizado foi correto, muitos poupadores não terão direito a receber nada. Nesse caso, o STF poderá avaliar o que fazer com quem já recebeu dinheiro dos bancos por decisão de outros tribunais.

Caso o Supremo considere o índice utilizado irregular, deverá estipular como será feito o pagamento da correção dos saldos da poupança.

  

Riscos


 O ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, se reuniram com vários ministros nos últimos dias para alertar sobre os possíveis prejuízos.

Adams afirmou na segunda-feira (25) que a preocupação do governo é com a “higidez (estado de saúde)” do sistema financeiro. “É um tema complexo. Temos uma grande preocupação sistêmica. O Brasil venceu muitos desafios econômicos, institucionais, democráticos. E esses desafios produziram a nossa estabilidade econômica, que tem que ser preservada”, disse.

“Esses temas que remontam a um período do Brasil de instabilidade econômica têm que ser superados. Temos que favorecer a estabilidade. Nossa preocupação é com a higidez [saúde] do sistema financeiro e a garantia de que não haja repercussão do ponto de vista econômico”, apontou o advogado-geral.

“Não há consenso sobre impacto potencial do julgamento e sobre o montante que supostamente deixou de ser pago aos poupadores. Mas, independente da magnitude, uma decisão reconhecendo essas perdas terá repercussões macroeconômicas bastante significativas e que não serão positivas. De imediato, pode precipitar uma mudança do rating do país (nota de avaliação de risco)”, afirma Frederico Turolla, sócio da consultoria Pezco Microanalysis.

O professor de economia do Insper, Otto Nogami, alerta para o risco de uma pane na oferta de crédito no país. “Se a decisão for no sentido de um pagamento à vista, todo o sistema creditício pode entrar em colapso. Seria uma crise na certa. A questão não é simplesmente aprovar ou não a favor dos poupadores, mas sim dar uma certa flexibilidade, eventualmente com um parcelamento, de forma a não comprometer o funcionamento do sistema”, opina.

Turolla, da Pezco, alerta para os possíveis impactos fiscais de uma decisão bilionária em favor do ressarcimento dos poupadores, uma vez que o governo é o acionista controlador do Banco do Brasil e da Caixa. Ele explica que uma decisão contra os bancos pode desencadear ações contra o Tesouro Federal no sentido de transferência do ônus.

“É uma questão de direito financeiro de difícil análise, mas vale lembrar que os bancos apenas seguiram a política macroeconômica determinada pelos governos”, diz. “Sem contar que os bancos pagaram tributos sobre lucros do passado e podem vir a passar a ter direito a uma restituição tributária”, acrescenta.

 

Confiança na poupança


 Para especialistas em direito do consumidor ouvidos pelo G1, do ponto de vista dos poupadores a decisão do STF vai mostrar se a caderneta é um investimento confiável.

A decisão de que a correção é devida traria tranquilidade e confiança à poupança, já que estabeleceria que as regras da aplicação serão cumpridas, diz a economista do Idec, Ione Amorim. Uma vitória dos bancos, por outro lado, abalaria a credibilidade da poupança por validar a mudança de regras “no meio do jogo” e deixaria o investimento vulnerável.

“Mostra que há direito do consumidor que não foi assistido. Pode comprometer a continuidade de crescimento dos depósitos da poupança”, diz Ione Amorim.

Uma decisão a favor dos poupadores confirmaria as tomadas em outras instâncias desde que os processos começaram, afirma o advogado Luiz Fernando Pereira, que defende os poupadores e aponta que a mudança na correção das poupanças teve consequências na vida das pessoas.

No entanto, mesmo que o STF decida que os poupadores têm direito às correções da poupança, a espera de mais de 20 anos pela diferença da correção não vai terminar imediatamente: o cálculo do valor a ser recebido será feito individualmente nos tribunais de origem.

“As pessoas vão ter direito e aí ele tem de ser transformado em número. Não vai ser rápido o ganho de causa”, diz o advogado do consumidor Alexandre Berthe Pinto, que estima em um ano o prazo para receber o valor com o qual os bancos concordam e cerca de cinco para o restante.

Pelo prazo de prescrição previsto em lei, de 20 anos, os consumidores já não podem entrar com novas ações individuais contra os planos. Nesses casos, conforme especialistas, os consumidores que se julgam lesados devem procurar entidades de defesa do consumidor que já estão com ações em andamento.

  

Como será o julgamento

 O julgamento começará nesta quarta com a leitura dos relatórios dos três ministros que atuam no caso: Lewandowski, Toffoli e Gilmar Mendes. Nessa fase, os magistrados fazem um resumo do que pede a ação e os argumentos pró e contra.

Pelo prazo de prescrição previsto em lei, de 20 anos, os consumidores já não podem entrar com novas ações individuais contra os planos. Nesses casos, conforme especialistas, os consumidores que se julgam lesados devem procurar entidades de defesa do consumidor que já estão com ações em andamento.

Depois disso, inicia-se a fase de sustentação oral. Os autores dos cinco processos e as partes questionadas terão tempo para defender suas posições.

Depois, falarão os chamados “amici curiae”, entidades públicas e privadas e órgãos do governo contrários e favoráveis aos planos que pediram para fazer parte dos processos.

Como são muitos órgãos e entidades, entre os quais Banco Central e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Supremo estipulou uma hora para cada lado.

Em seguida, falará o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em pareceres enviados ao Supremo, a Procuradoria Geral da República já se manifestou pela inconstitucionalidade dos planos – a favor da correção pela inflação.

Cada um dos relatores fará, então, a leitura do voto. Depois, começa a votação na corte, seguindo a ordem de antiguidade – do ministro com menos tempo de atuação (Teori Zavascki) para o ministro com mais tempo (Celso de Mello).

O julgamento será feito com nove ministros porque Luiz Fux e Luís Roberto Barroso se declararam impedidos. A filha de Fux trabalha no escritório do autor de uma das ações. Barroso já atuou em casos sobre o tema quando era advogado.

http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/11/stf-comeca-julgar-correcao-da-poupanca-em-planos-economicos.html