É visível a felicidade de Cauã Carvalho de Santana, 9 anos, ao usar pela primeira vez o aplicativo Vozlivre, instalado no seu tablet. O garoto faz tratamento de microcefalia, ouve, mas não consegue falar. O software possibilita a comunicação oral a quem tem essa dificuldade. Vozlivre, ferramenta de inclusão social criada por professor da Fatec Mogi das Cruzes, é aprovado por usuários e fonoaudiólogas da Apae da cidade “Esse programa vai deslanchar seu desenvolvimento”, diz a mãe, Lucilene Carvalho da Silva, dona de casa de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Desenvolvido pelo professor de informática Leandro Luque, da Faculdade de Tecnologia (Fatec) da mesma cidade, a ferramenta é testada na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) Mogi das Cruzes. Gratuito – A ideia é expressar as preferências do usuário por meio de figuras. Mais de 40 temas sobre alimentação, higiene, verbos, sentimentos, família e terapia estão dispostos em diferentes desenhos. Ao clicar no ícone alimentação, por exemplo, aparecem na tela subtemas de ilustrações que remetem a arroz, feijão, salada, carne, etc. Se o usuário selecionar a palavra feijão, o sistema emitirá a voz: “eu quero feijão”, e assim por diante. O Vozlivre reúne mais de mil figuras, captadas de bancos públicos de imagens eletrônicas que não exigem direitos autorais. Luque adianta que até o final de maio seu aplicativo estará na internet para instalação, de graça, em tablets e celulares com sistema operacional android. Pacientes com paralisia cerebral e autismo da Apae Mogi das Cruzes utilizam o software. Embora tenham boa audição, visão e compreensão, eles não conseguem falar. Desde 2013, seis fonoaudiólogas foram treinadas para auxiliar os 16 alunos (crianças, jovens e adultos) participantes do programa. A expectativa da instituição é que, até julho de 2017, o aplicativo seja oferecido a 200 pessoas. Felicidade – “A alegria dos pacientes, por conseguirem se comunicar, é o principal resultado desse trabalho”, avaliam as fonoaudiólogas Fernanda Diniz de Oliveira Campos e Patrícia da Costa Borges. Elas dizem que aplicativos semelhantes são caros, incompletos e pouco acessíveis à população carente. O Vozlivre passa a fazer parte da rotina dos usuários na Apae e no convívio familiar. Devido à paralisia cerebral, Thiago de Jesus Silva Barros, 16 anos, de Salesópolis, na Grande São Paulo, não fala desde que nasceu. Participa das atividades da Apae Mogi das Cruzes há nove anos. Sua mãe Jucilene de Jesus Silva diz que ele se comunicava apenas por gestos até receber o tablet com o Vozlivre, em novembro. “Antes, nem sempre entendíamos o que ele queria dizer; às vezes, ficava nervoso. Ele é inteligente, mas era difícil explicar o que queria”, conta. Desde então, seus pedidos são entendidos rapidamente. “O aplicativo ajudou na elevação da autoestima do meu filho e na facilidade da comunicação com a família.” Preferências – O programa aplicado na Apae mobilizou a comunidade local (comerciantes, igreja, cidadãos), que arrecadou recursos para a compra de 200 tablets. Antes de o aluno usar a ferramenta, uma fonoaudióloga entrevista seus pais para saber a rotina fora da associação. Sabendo das preferências de cada um (alimentos, passeios, terapias), ela seleciona as figuras mais apropriadas e cria a “prancha de comunicação personalizada”. Fernanda conta que, antes do Vozlivre, os alunos dependiam de pasta de papel montada com figuras que expressavam gostos e sentimentos. “Era uma comunicação limitada. Algumas crianças tinham dificuldade para folhear as páginas. Agora, é muita praticidade. A tecnologia favorece a socialização e gera mais estímulos. Dá voz a nossos alunos com deficiência na fala”, comemora. Luque apresentou seu invento no 7º Encontro Internacional de Tecnologia e Inovação para Pessoas com Deficiência, promovido pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em novembro. A Apae Mogi das Cruzes inscreveu o Vozlivre no Congresso Nacional de Apaes que ocorrerá no ano que vem. Parceiros – A Fatec Mogi das Cruzes ofereceu a infraestrutura para Luque criar o aplicativo. Por meio do regime de jornada integral da faculdade, ele teve 28 horas semanais de trabalho para se dedicar à criação e aos testes do Vozlivre. “Estou satisfeito com os resultados. Sou funcionário público e considero minha obrigação desenvolver serviços em benefício do cidadão. Ao ver a alegria dos usuários, percebo que valeu a pena. Espero vê-lo utilizado em outras Apaes para beneficiar ainda mais pessoas”, almeja o professor. Sua vontade é melhorar diversas funcionalidades do aplicativo, “mas isso depende da ajuda de parceiros”. Reabilitação motiva criação do Vozlivre “Meu filho sofreu um acidente e sua reabilitação me apresentou a um universo até então desconhecido. Isso me motivou a criar tecnologias que auxiliem na comunicação de pacientes com dificuldade na fala. Meu objetivo é que a tecnologia assistiva (ou tecnologia de apoio) aumente a inclusão social desse público”, relata o professor de informática Leando Luque, criador do Vozlivre. Em 2010, o filho de Luque, João Pedro Higuchi Valiati, sofreu um acidente de trânsito. Perdeu os movimentos do corpo e se comunicava apenas com os olhos. “O apoio da equipe multiprofissional e as terapias da unidade Morumbi da Rede de Reabilitação Lucy Montoro permitiram que ele recuperasse os movimentos e a fala”, conta o docente. Atualmente, com 18 anos, João Pedro leva uma vida quase normal (leia reportagem sobre o assunto nas páginas II e III da edição de 2-2-2012 do
Viviane Gomes
DOE, Executivo I, 16/04/2016, p. I