USP cria banco de células-tronco com a genética de brasileiros

Pesquisa desenvolvida por especialistas da Universidade de São Paulo (USP) abre novas possibilidades para testes com medicamentos e para o estudo de doenças como a hipertensão. A partir de colaboração entre o Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE) da USP e o Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA), foi produzida coleção de células-tronco que é representativa da mistura genética da população brasileira.

“Quisemos criar uma biblioteca de células-tronco pluripotentes que representem a genética brasileira. Nós somos uma mistura de genes europeus, africanos e índios”, diz a coordenadora do LaNCE da USP, Lygia da Veiga Pereira, que é também professora titular do Instituto de Biociências da universidade.

Medicamentos – Células-tronco pluripotentes são as que podem ser transformadas em células de diversos tecidos do corpo, como neurônios, células do fígado e do coração. Células-tronco embrionárias, por sua vez, são as provenientes de um embrião. A partir de células do sangue ou da pele das pessoas, podem ser obtidas em laboratório células-tronco pluripotentes, chamadas de induzidas, que têm características similares às células-tronco embrionárias.

A indústria farmacêutica utiliza células-tronco embrionárias como modelo para estudar respostas a medicamentos em desenvolvimento. Em vez de testar o novo remédio diretamente em um paciente com problemas cardíacos, por exemplo, pode-se testá-lo em células humanas do coração, criadas a partir de células-tronco.

Além disso, há a questão de os medicamentos agirem de forma diferente, de acordo com a genética. A professora Lygia diz que os medicamentos em estudo costumam ser testados em populações da Europa e dos Estados Unidos, e podem não agir da mesma forma em brasileiros. A existência de um banco de células representativo da população do Brasil poderá servir para que os testes cheguem a resultados mais eficientes.

Representatividade – Estudos com moradores de áreas urbanas do País indicam que a população brasileira tem, em média, 60% de contribuição genética europeia, 25% africana e 15% indígena. Os estudos iniciais do LaNCE, com células-tronco embrionárias doadas de clínicas de fertilização in vitro, produziram cinco linhagens dessas células, porém, com mais de 90% de genoma europeu. “Essas cinco linhagens vieram de clínicas particulares, e apenas uma fração limitada da população tem acesso a elas”, explica Lygia.

Com o objetivo de chegar a um universo mais representativo, os pesquisadores iniciaram, em 2013, parceria com o ELSA, estudo coordenado pelo Ministério da Saúde, que monitora a saúde de 15 mil servidores de seis instituições públicas de ensino superior e pesquisa do País. De dois em dois anos, eles passam por exames clínicos e entrevistas, com objetivo de descobrir a incidência e os fatores de risco de doenças crônicas.

Um dos coordenadores do ELSA é o médico e docente Paulo Lotufo, do Hospital Universitário da USP. Em São Paulo, 5 mil servidores dessa universidade são acompanhados pelo estudo. Desse universo, o pessoal do LaNCE coletou e congelou o sangue de 1.872 pessoas.

Dezoito amostras dessas células de sangue foram transformadas pelos especialistas do LaNCE em células-tronco pluripotentes. A análise genômica revelou que essas células têm uma contribuição europeia que varia de 14,2% a 95%; africana, de 1,6% a 55%; e indígena, de 7% a 56%. É um quadro mais próximo à média da população brasileira.

“Além dessa representatividade, é importante dizer que cada célula está associada a um banco de dados clínicos muito detalhado”, diz Lygia. Isso dá condições para que sejam realizados estudos relacionando características genéticas e doenças, como hipertensão ou diabetes.

Trabalham no LaNCE da USP cerca de 20 pesquisadores. Os recursos para a sua atividade são provenientes do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Conselho Nacional de Desen volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que, em 2008, investiram na criação de centros de tecnologia celular. O laboratório faz parte também do Centro de Terapia Celular (CTC) da USP, sediado em Ribeirão Preto, que é um dos centros de pesquisa, inovação e difusão (Cepid) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

DOE, Executivo I, 25/10/2016, p. I