‘Anatomia de Um Desaparecimento’ trata da ausência do pai
Escritor líbio Hisham Matar conversa com o 'Estado' sobre o seu último livro

16 de maio de 2012 | 3h 07








UBIRATAN BRASIL – O Estado de S.Paulo





O escritor líbio Hisham Matar  - Toby Melville/Reuters

Toby Melville/Reuters

O escritor líbio Hisham Matar

Faz mais de 20 anos que o pai do escritor líbio Hisham Matar desapareceu – oponente do líder Muamar Kadafi, ele foi sequestrado durante o exílio no Egito, em 1990. E, justamente quando o regime de Kadafi desmoronou, no ano passado, Matar publicou Anatomia de Um Desaparecimento, em que revela idêntico drama sob o ponto de vista de um garoto. Sobre o livro, ele falou, por e-mail, ao Estado.

Justamente quando o regime de Kadafi estava ruindo, você lançou Anatomia de Um Desaparecimento. Foi coincidência?

Foram três anos de trabalho de escrita. Certamente não previ os eventos ocorridos na Líbia quando iniciei o livro ou mesmo quando o finalizei, em outubro de 2011. Como escritor, o que me interessava era utilizar o pequeno conhecimento que tenho do mundo para explorar e meditar sobre as ideias. A arte, acredito, faz isso, pois é uma forma de pensar e criar novos caminhos pelo mundo.

Os dramáticos acontecimentos que se desenrolaram na Líbia, no Egito e em outros países parecem um momento de transição, repletos de incerteza e ansiedade. O que se pode desprender disso?

Venho pensando nisso, sobre a dificuldade de se entender perfeitamente esses eventos. E como o tempo desempenha um papel nesse processo. E me interessa particularmente no que diz respeito sobre a escrita e como os romances respondem lentamente, mas também como eles não respondem necessariamente da forma que esperamos.

Você era um garoto quando sua família deixou a Líbia, em 1979. Suas memórias de infância continuam vívidas?

Sim, incrivelmente. Eu temia que, ao voltar àquele tempo, os fatos fossem apagados, que a Líbia de hoje substituísse o país que conheci há 33 anos. Na verdade, aconteceu o contrário, algo inesperado: ao retornar àquela Líbia, minhas memórias se aprofundaram e ganharam um realismo físico que as tornaram ainda mais vivas.

Quando um ente querido desaparece, como essa ausência molda a vida dos que ficaram?

Essa é a questão que meu romance busca responder. Eu estava menos interessado nos aspectos políticos ou histórico do desaparecimento e muito mais na natureza peculiar desse tipo de perda. Desaparecimentos revelam algo sobre a natureza da saudade, mas também sobre a natureza da memória: como o presente afeta o passado, e como a nossa lembrança do passado remodela o presente.

Como foi o trabalho de escrita?

É fácil escrever de forma descuidada – o difícil é compreendê-la. Perco muito tempo em busca da frase certa. Gosto das possibilidades oferecidas pela linguagem. As palavras carregam senso, música, ritmo e, mais interessante para mim, também o silêncio. São ferramentas que devem ser usadas para comunicar seu estado de espírito, bem como o significado do que você pretende informar.

Percebe-se que sua ficção tornou-se cada vez mais urgente e subjetiva. Esse segundo livro é uma tentativa deliberada de escrever um “romance poético”?

Quando menino, eu queria ser poeta. Por fim, estudei arquitetura e já trabalho nessa profissão há sete anos. Acho que foi um golpe de sorte, pois esse romance contém as minhas três obsessões: música, poesia e arquitetura.

Você já mudou conscientemente seu estilo de vida para ajudar o trabalho como escritor?


Muitas vezes. Quando comecei a escrever, pensei ter descoberto a fórmula. Mas, na realidade, percebi que é uma função que deve ser mudada e renovada sempre. Afinal, a vida – ou seria a História? – está sempre tentando destruir o artista, criando formas engenhosas que lhe amenizam a capacidade de criar e sonhar. Aprendi que seu trabalho deve ser sempre melhor que você, mais inteligente, mais bonito, mais vivo. É isso que me ajuda a manter o foco.


Fonte: Estadão.com.br/Cultura