Direito: conhecer e fazer valer

Kátia Barbosa e Ilza Barbosa têm algo em comum além do sobrenome. Elas são líderes dentro de suas comunidades e participaram do projeto Promotoras Legais Populares (PLP), fruto de esforço conjunto do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (Ibap), da União de Mulheres de São Paulo e do Movimento do Ministério Público Democrático, para desenvolver a cidadania e a igualdade de direitos. É o primeiro curso realizado no âmbito da Secretaria da Justiça e do Centro de Integração da Cidadania. Atualmente, 86 mulheres estão inscritas para participar do curso no CIC-Leste. Conhecedoras dos problemas em suas comunidades, elas procuram entender melhor as ferramentas jurídicas capazes de ajudá-las a encaminhar essas mulheres para a rede de assistência.

Ilza, 53 anos, é mãe de três filhos e ex-agente de saúde na Cidade Kemel, no Itaim Paulista, zona leste da capital. Sempre atuante na área do direito da mulher e líder comunitária na sua região, ela foi vítima indireta de violência doméstica ao ver sua filha, Joseane, ser espancada pelo companheiro. “Eu queria resolver dentro da lei. Conversei com minha filha. Tomamos todas as precauções necessárias dentro da Lei Maria da Penha. Ela está separada e tocando a vida. Hoje estou aqui para aprender como atuar dentro e fora da comunidade onde trabalho e resido”, explica.

Kátia, 35 anos, casada, mãe de um filho, moradora de São Miguel Paulista, atua dentro da sua igreja. Filha de pastor evangélico, diz que precisa ajudar suas ‘irmãs na fé’. “Por causa da religião, muitas mulheres suportam os ‘desmandos dos seus maridos, pais e irmãos’. Segundo Kátia, “está na hora de acordar, por isso estou aqui”.

Rede nacional – O projeto PLP é uma experiência consolidada em vários países, que visa a difundir os mecanismos de acesso e funcionamento da Justiça entre uma camada específica da população: mulheres que desempenham o papel de lideranças comunitárias locais. Existe há 13 anos e formou 3,5 mil profissionais, das mais diverA sas áreas, em todo o Estado, com premiações importantes como o Prêmio de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.

Atualmente, o Promotoras Legais Populares está em ação na cidade de São Paulo, ABC paulista, São José dos Campos, Sorocaba, Mogi das Cruzes, São Roque, Taubaté e Taboão da Serra. O próximo passo é organizar uma rede nacional.

Josiane Bernardes, advogada e agente bem-querer do CIC-Leste, informa que Promotoras Legais Populares é uma liderança capaz de dar orientação sobre questões do cotidiano (violações de direitos, ameaças, violências contra a mulher), para outras pessoas que se encontram necessitadas de reconhecimento e apoio para enfrentamento de dificuldades. “Não podemos confundir com a atuação do profissional de Direito, pois ele tem capacidade postulatória (entrar com ação na Justiça), o que não ocorre com o projeto”.

A ação consiste na realização do curso anual, campanhas, debates, encontros estaduais e publicações sobre temas de cidadania e direitos. As aulas são semanais, teóricas e práticas, com abordagem multidisciplinar do Direito, colocando em discussão diversos assuntos.

Segundo Josiane e Jand’yra Alves (agente bem-querer) o projeto também discute temas sobre saúde, inclusive da mulher negra, Aids e doenças sexualmente transmissíveis, saúde no trabalho, assédio moral e sexual, direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher, literatura e poesia, informática e a utilização da internet, elaboração de projetos e informações de sobre como planejar uma ONG.

A metodologia usada no Curso de Promotoras Legais Populares se compõe de oficinas de construção e troca de conhecimentos, visitas e estágios em ONGs e serviços públicos, trabalho em grupo, palestras e debates. “No dia 31 de agosto, participamos da Marcha Mundial das Mulheres, no Memorial da América Latina. Agradeço a Deus pela oportunidade de conhecer outras mulheres, inclusive de outras religiões”, comemora Kátia.

Histórico – Amélia Teles, a Amelinha, da União de Mulheres de São Paulo, conta que a ideia para criar o projeto Promotoras Legais Populares surgiu em maio de 1992, quando a União de Mulheres de São Paulo participou de um seminário sobre os direitos da mulher promovido pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). “Nessa ocasião, pela primeira vez, ouvimos falar dos cursos de capacitação legal das mulheres”. Esses cursos vinham se desenvolvendo há pelo menos uma década Direito: conhecer e fazer valerem alguns países da América Latina – Peru, Argentina e Chile.

“Gostamos da proposta. Isso porque nós, militantes do movimento de mulheres, tínhamos participado das lutas por conquistas de leis, particularmente no processo da Constituinte. Chegava, então, o momento de promover o conhecimento das leis e dos mecanismos jurídicos possíveis de acessar e viabilizar,” explica.

Ouvindo os relatos de advogadas e ativistas que administravam esses cursos, a União de Mulheres viu a possibilidade de capacitar as mulheres para a defesa dos seus direitos a partir do seu cotidiano e da sua comunidade. A cidade de Porto Alegre foi a primeira a concretizar a ideia, em 1992. O Estado de São Paulo aderiu dois anos depois, realizando na capital o primeiro seminário sobre o assunto com a adesão de 35 lideranças populares.

Maria Lúcia Zanelli
Da Agência Imprensa Oficial

DOE, Executivo II, 02/10/2013, p. IV