A produção de livros digitais no Brasil tem sido estimulada pelo uso educacional desses títulos, entretanto, o modelo ainda encontra resistência por parte de pais e escolas que defendem métodos mais tradicionais de ensino, como explica Susanna Florissi, diretora do Comitê do Livro Digital da Câmara Brasileira do Livro (CBL). A instituição organiza o 4º Congresso Internacional CBL do Livro Digital, dos dias 13 e 14 de junho, no auditório da Fecomercio de Eventos, em São Paulo.

 

“É natural que escolas e pais puristas não admitam o livro digital, mas as crianças já estão interagindo com essas plataformas. E isso não significa que o impresso deixará de existir”, afirma Susanna. 

 

Durante o ciclo de debates serão apresentadas as inovações que os livros digitais trazem para as salas de aula desde a educação infantil até o ensino superior, além de debates nas áreas de direitos autorais, distribuição de conteúdo e situação do mercado de e-books no Brasil.

 

Entre os palestrantes estão David Langridge, diretor da Microsoft em Londres, Lúcia Santaella, doutora em teoria literária e coordenadora da pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP e Silvio Meira, professor titular do Centro de Informação da Universidade Federal de Pernambuco, cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife e colunista de Terra Magazine.

 

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

 

Terra Magazine – Os livros didáticos estão entre os principais clientes dos fabricantes de livro digital no Brasil. Você tem alguma projeção sobre o quanto eles representam no total de produções digitais no país?


Susanna Florissi – Não temos números oficiais. Sabemos que as editoras de materiais didáticos estão, sim, desenvolvendo conteúdo para os mais diversos suportes, sem esquecer o livro impresso. Diria que 70% da produção digital na área editorial destina-se ao mercado dos didáticos. Durante o congresso, os participantes preencherão uma pesquisa que, com certeza, nos ajudará a ter dados mais precisos. 

 

Como tem sido a aplicação do modelo nas escolas? Quem fornece os aparelhos?

É um mundo a ser explorado. Em um primeiro momento, há uns dois anos, havia um movimento lento na direção do mundo digital, que era praticamente um círculo vicioso: não usamos suportes digitais porque não há conteúdo para essas ferramentas; não desenvolvemos conteúdo digital porque as escolas não estão prontas para recebê-lo. Hoje, tanto escolas particulares quanto escolas públicas já estão sendo equipadas e, muitas vezes, desenvolvem conteúdo próprio. Os aparelhos são fornecidos pelos pais, pelas bibliotecas das próprias escolas e/ou pelos órgãos oficiais em diversas escolas públicas. 

 


Existe algum tipo de resistência para a implantação dos livros digitais na escola?

Estamos numa entressafra entre o impresso e o digital e é natural que existam pais e escolas puristas que não admitam o livro digital no ensino. Mas é difícil imaginar que uma criança estude geografia ou o corpo humano apenas lendo um livro, elas já estão acostumadas a interagir. Mas isso não significa que vão anular o livro impresso. Ele ainda vai existir por muito tempo, talvez até para sempre.

 

Qual seria o diferencial de um livro digital em comparação aos tradicionais? 

Para mim, livros digitais para a área educacional devem manter uma simplicidade e praticidade de uso que não faça com que o estudante se perca enquanto estuda. Acredito, cada vez mais, na educação que realce a importância do livro impresso, de conteúdo digital no formato de áudio, vídeo e de exercícios interativos, e mais informações específicas sobre este ou aquele assunto hospedados na nuvem. Acredito também no ‘nem 8 nem 80’. Vejo, em Frankfurt, o que considero alguns delírios digitais que vão na direção do 80.

 

Que tipo de experiências que você presenciou na Feira de Frankfurt que considerou exageradas?


Lá havia propostas de salas de aula completamente em 3D em que os alunos recebiam os óculos como quem vai ao cinema ver um filme e paineis que se modificam a partir da energia do corpo da pessoa que se aproxima. Isso já é demais. São experiências que acabam partindo muito mais para o lado lúdico, embora o lúdico seja educativo.

 

Saindo da área educacional, você acredita esses recursos podem ser aproveitados pela literatura infanto-juvenil e também outros tipos de publicação?

Já na área da literatura, acredito em aplicativos que ampliem a experiência do livro impresso. Livros de receitas, guias de viagem e materiais de conteúdo histórico podem – e devem – desenvolver recursos mais radicais e ousados pois há campo para esse desenvolvimento.

 


A presença desses aplicativos não pode encarecer o livro e ir de encontro à ideia de que o material didático deve ser acessível?

Na minha opinião, um PDF é um livro digital que pode ser vendido por um preço módico. Quando existem aplicativos integrados, ele pode encarecer porque há um custo no desenvolvimento do software. Mas o mercado vai entender o quanto esse livro vale. 

 

Existe a possibilidade de oferecer algum conteúdo educacional gratuito?

Este é um período de aprendizado para todos. Por isso acredito que as editoras possam, no futuro, partir para o gratuito, por exemplo, no oferecimento de treinamentos para os professores.

 


Muitas editoras têm feito convênios com fabricantes de dispositivos de leitura e lançando títulos exclusivamente para determinadas plataformas. Com tanta disseminação de conteúdo para a internet, não seria mais interessante que o consumidor pudesse acessar o livro por diferentes plataformas?

Sim, parece-me que o mercado está caminhando nessa direção. Há ainda que se conceder um pouco mais de tempo para que os modelos de acesso e distribuição se consolidem.



Terra Magazine – http://terramagazine.terra.com.br/blogterramagazine/blog/2013/06/12/livro-digital-ainda-sobre-resistencia-de-pais-e-escolas-afirma-especialista/