Livro revê fase portenha de Vinicius


Por Amarílis Lage | De São Paulo






Divulga%C3%A7%C3%A3o  Vinicius com Toquinho e Camila, filha da jornalista argentina Helena Goñi, em hotel uruguaio, em 1975; “Valsa para uma Menininha” foi composta para a garota



Lista de relacionamentos amorosos do “Poeta da Paixão”, Vinicius de Moraes (1913-1980), a jornalista argentina Liana Wenner propõe mais dois no livro “Vinicius Portenho”: Montevidéu e Buenos Aires. A capital argentina, aliás, rendeu ao escritor o que seria seu oitavo casamento e último casamento, com a portenha Marta Rodríguez Santamaría.


Na base dessa atração, uma idealização mútua. Para Liana, a Argentina pressionada por problemas políticos via em Vinicius a personificação de um Rio solar, sofisticado e despreocupado. E a juventude portenha dos anos 1960 não via no tango a trilha adequada para seus sonhos de liberdade sexual, conta Liana: “A figura da mulher em Vinicius não é a malvada do tango. É solar, busca acompanhar o homem. É uma outra ideia de como o amor deveria ser”. Já para Vinicius, diz a escritora, o país vizinho indicava uma vida mais fácil, pessoal e profissionalmente.


Vinicius se aproximou da Argentina nos anos 1940 por meio da amizade com a escritora Maria Rosa Oliver, que pertencia a um grupo literário do qual também fazia parte Jorge Luís Borges. De 1958 a 1960, trabalhou no Consulado Geral do Brasil em Montevidéu e, em 1968, lançou seu primeiro livro na Argentina, “Para Vivir um Gran Amor”. Foi um sucesso: em dois anos, a editora Ediciones de la Flor vendeu 15 edições da obra e exportou o livro para Montevidéu e Santiago.


No início dos anos 1970, diz Liana, Vinicius vivia o auge de sua popularidade na região, ao mesmo tempo em que enfrentava a separação de Cristina Gurjão e amargava o fato de haver sido exonerado do Itamaraty devido ao consumo excessivo de álcool. Segundo ela, em um show na cidade argentina de Córdoba, o escritor disse a Toquinho: “No Brasil estamos fora de moda. Aqui nos adoram”.


“Na Argentina, talvez por ser estrangeiro, não foi exigido que politizasse suas canções. A situação estava muito polarizada e a música era um terceiro lugar, uma válvula de escape para a população”, diz Liana. “Aqui ele criou uma popularidade que não teve no Brasil. Não ficou restrito à classe média culta. Aparecia na televisão. Seu LP ‘Vinicius de Moraes en La Fusa de Buenos Aires con María Creuza y Toquinho’ era um sucesso.”


Miguel Faria Jr., diretor do documentário “Vinicius” e ex-genro do poeta, não se arrisca a comparar que fãs eram mais ardorosos, se os argentinos ou os brasileiros. Mas defende que ele se manteve popular na terra natal. “Era uma época de radicalização política e ele não estava engajado como um garoto radical como eu gostaria que ele estivesse. Meus amigos ali, fazendo cinema novo, querendo entender o Brasil, e o Vinícius querendo entender o amor”, lembra Faria Jr. “Mas isso era um grupo pequeno e não era uma coisa explícita. E ele começou a ficar mais popular, trabalhando com Toquinho, fazendo shows. Ele sofreu uma restrição acadêmica, que o criticava como se ele não fosse um poeta erudito.”


Para José Castello, autor da biografia “Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão”, a parceria de Vinicius com Toquinho nos anos 1970 foi e ainda é criticada como se fosse uma opção comercial. “Toquinho é mais leve e, de fato, Vinicius perdeu uma parte do prestígio que tinha. Ao mesmo tempo, foi um período em que ele participou muito dos circuitos universitários. Tinha esse aspecto paradoxal.”


“Vinicius Portenho” traz luz sobre uma parte menos conhecida do poeta. “Reconheço que essa parte ficou com buracos no meu livro, devido à recusa de Marta de me dar entrevista na época”, conta Castello. É Marta que conta como Vinicius recebeu a notícia de que seu pianista, Tenório Cerqueiro Jr., havia desaparecido. Era 18 de março de 1976, seis dias antes do golpe de Estado na Argentina. O músico, que havia saído do hotel para comprar algo, foi colocado num carro, levado a uma delegacia e depois à Escola de Mecânica da Marinha. Lá, conta Liana, remetendo a testemunhas, Tenório foi morto com um tiro. Dois jornais portenhos publicaram um apelo de Vinicius para descobrir o paradeiro do pianista. Coincidência ou não, o poeta não voltou a se apresentar nos teatros da cidade.


No fim dos anos 1970, a saúde de Vinicius estava minada pelo diabetes e pelo consumo de álcool: são numerosas as passagens no livro em que o músico surge com uma garrafa de uísque, embora este aspecto tenha sido atenuado na versão brasileira a pedido da editora, segundo Liana. Também foram amenizadas passagens relacionadas à cantora Maísa e a Gesse, ex-mulher de Vinicius. Martha Ribas Martha, sócia da Casa da Palavra, disse que as diferenças entre as edições são pontuais e estão relacionadas à checagem de informações mais polêmicas e que as alterações foram feitas pela autora.


Em outubro de 1979, passeando na Europa, ele teve AVC que lhe deixou sequelas. Em março de 1980, um segundo AVC lhe obrigou a passar por uma cirurgia. Em julho, Vinicius morreu na banheira de sua casa na Gávea. Mas do relacionamento com a Argentina e Uruguai, ficaram “filhos”. Liana vê a influência de Vinicius no grupo argentino Les Luthiers, que compuseram o disco “La Bossa Nostra” e no músico uruguaio Jorge Drexler. E Vinicius escreveu um tango: “Amigo Porteño”, canção de amor escrito para Marta Santamaría.


“Vinicius Portenho”


Autora: Liana Wenner. Tradução: Diogo de Hollanda. Editora: Casa da Palavra (192 págs, R$ 39,90).


Fonte: Valor Econômico/Livros