O avanço da ciência brasileira
Vacina contra febre reumática é reconhecida com patente internacional; Incor estuda a causa da doença há mais de 20 anos

Vacina para prevenir e tratar febre reumática, em desenvolvimento no Instituto do Coração (Incor), acaba de receber a patente de Estados Unidos, China, Coreia do Sul e Japão. “Esse reconhecimento no exterior é muito importante ao Brasil e representa o avanço da ciência brasileira”, comemora a pesquisadora Luiza Guilherme, coordenadora do projeto da vacina contra a febre reumática.

Segundo a especialista, uma patente internacional leva até 15 anos para ser oficializada. No caso da patente americana, em fase final de certificação, há também pedido adicional que confere efeito terapêutico ao antídoto. O pedido de patente está em tramitação na Índia desde 2007, ano em que ocorreu o depósito da solicitação no Sistema Internacional de Patentes.

“De acordo com os resultados de nossos estudos, temos dados interessantes que mostram que a vacina pode ser capaz de regular a inflamação, ou seja, ela pode bloquear a evolução da doença.”

A repercussão do trabalho brasileiro é tão positiva que a pesquisadora apresentará os resultados dessa etapa da investigação em maio, no Congresso da Federação Mundial de Cardiologia, em Melbourne, na Austrália.

Problemas cardíacos – A febre reumática, doença crônica e autoimune, acomete crianças e adolescentes. É causada pela bactéria Streptococcus pyogenes, que circula por toda a população mundial e se desenvolve em ambientes com deficiência de saneamento básico. É comum em países em desenvolvimento, como Brasil, Índia, regiões da África e comunidades aborígenes da Austrália.

Apenas de 3% a 4% das pessoas têm fatores genéticos e são suscetíveis à doença após a infecção bacteriana. Em crianças e adolescentes, o primeiro sintoma é dor de garganta, seguido de problemas nas articulações dos braços (cotovelos, punhos), pernas e joelhos. Casos mais graves desenvolvem doença reumática cardíaca com comprometimento e lesão das válvulas do coração. Sem tratamento apropriado, o problema de saúde pode levar à morte e, quem sobrevive, apresenta comprometimento cardíaco.

Há mais de 20 anos, pesquisadores do Incor estudam uma proteína da bactéria Streptococcus pyogenes e obtiveram resultados promissores em camundongos e em pequenos porcos (até 25 quilos). Eles identificaram seu segmento causador da doença e outra região da bactéria que apresenta potencial preventivo contra a febre reumática.

Teste em humanos – O trabalho tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Atualmente, os estudiosos aguardam os trâmites finais de documentação para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) libere os recursos financeiros necessários para o início dos testes clínicos em humanos.

O Instituto Butantan formulará e distribuirá a vacina para a testagem. Ainda neste ano, 48 adultos sadios devem ser recrutados. Esses voluntários serão divididos em quatro grupos. Um deles fará teste com placebo (substância inativa) e os demais, com doses variadas do produto. Os participantes terão acompanhamento médico (cardiologistas e infectologistas) por mais de dois anos. Em outra fase do estudo, a vacina será avaliada em grupo maior de voluntários de diferentes regiões brasileiras.

Se os resultados forem promissores, a vacina contra a febre reumática poderá se tornar realidade e reverter números alarmantes. Em 2007, o Sistema Único de Saúde (SUS) investiu R$ 30 milhões no tratamento clínico da doença e R$ 60 milhões nas cirurgias cardíacas.

DOE, Executivo I, 07/03/2014, p. IV