A participação de um garoto de 15 anos naquela roda de conversa de adultos parece estranha. A única situação que o une ao grupo é que Roberto(*), aos 15 anos, procura ajuda para sua mãe, Ana(*), 34, vítima do álcool. Cansado de assistir à sua destruição, o menino buscou apoio no Centro de Integração à Cidadania (CIC) Leste, no bairro de Itaim Paulista, zona leste da capital. Lá está instalado o Programa Reco meço Família (ação conjunta das secretarias da Justiça e da Defesa da Cidadania, da Saúde e de Desenvol vimento Social), que prevê apoio psicológico e social para familiares de usuários de drogas.
O trabalho está sendo realizado desde o início de fevereiro, nos 11 postos do CIC e também no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas – Cratod. Cada um desses locais oferece dois profissionais capacitados (um psicólogo e um conselheiro), contratados pela Secretaria da Saúde, e um voluntário da ONG Amor Exigente, que cuida de pessoas usuárias de álcool e drogas. O atendimento às famílias ocorre de terça a sexta-feira, das 14 às 20 horas e, aos sábados, das 8 às 14 horas.
Para ir ao CIC, Roberto pediu ajuda à sua vizinha, Elizete Conceição, 56, que participa do Conselho Local do Centro e é promotora legal popular. “Conheço o Roberto desde pequeno, ele é como um filho, para mim. Já conversamos com a Ana várias vezes, mas ela não aceita o tratamento”, relata Elizete.
“Preciso entender a relação da minha mãe com o vício, para poder ajudar os meus irmãos, André (*), de 14, e Tainara (*), de 10 anos, e a minha mãe também.”
Roberto é um jovem tímido e apresenta as características descritas no Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos – Lenad Família. Realizado com 3,1 mil famílias em todo o País, o estudo revela que os familiares de dependentes químicos apresentam, mais significativamente que a média da população, prejuízo na habilidade de trabalhar ou estudar e pessimismo em relação ao futuro imediato.
A pesquisa do Lenad aponta ainda que mais de 44% do total de entrevistados relataram ter descoberto o uso de drogas pelo paciente por causa de mudanças no seu comportamento. E 15% disseram ter flagrado o paciente consumindo a substância fora de casa.
Márcio Sérgio Sobrinho, coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, explica que o levantamento e as entrevistas realizadas no Plantão Jurídico do Cratod mostraram a necessidade de estender o Programa Recomeço para as famílias. “Elas estão tão doentes como os pacientes e, sem perspectiva de futuro, já que tentaram de ‘tudo’ para ajudar o parente a largar o vício.”
Na pesquisa Lenad, as mulheres são a maioria entre os que cuidam dos parentes com problemas de droga (80%) e 46% são mães que sofrem com o impacto negativo causado pela dependência do álcool ou droga em seus filhos.
Passe de mágica – Romina Miranda, coordenadora da iniciativa, informa que as famílias se reúnem, individualmente ou em grupo, para debater as questões que as afligem. São nove sessões de psicoterapia breve (com duração de 50 minutos cada), para se falar sobre os efeitos das drogas e o papel dos familiares nessa realidade. “Muitos acreditam que a internação será como um passe de mágica e vai fazer o viciado abandonar imediatamente a droga ou o álcool. Algumas famílias ‘negam’ sua responsabilidade com o viciado, pois acreditam que somente ele é o culpado”, explica Romina.
“Nesses encontros semanais, os familiares se sentem acolhidos e trocam experiências e informações sobre o que fazer para melhorar sua qualidade de vida”, explica a psicóloga Rosely Babinsky, do Programa Recomeço Família.
“Conversamos com essas pessoas e mostramos as diversas ações inseridas no programa e como elas podem ajudá-las a melhorar o seu dia a dia”, diz Tamires Azevedo da Silveira, conselheira de Dependência Química e responsável pela triagem do programa no CIC Leste.
(*) Nomes fictícios
Maria Lúcia Zanelli
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial
Um problema, muitas histórias
• Expedito José Silva, 60 anos, e sua mulher Marlene Silva, 55, procuraram no Programa Recomeço ajuda para o tratamento de seu filho Paulo(*), 20 anos, dependente de drogas. “Há cerca de um ano, ele largou os estudos, o trabalho e foi embora de casa. A situação ficou tão difícil que até fiquei doente; estou com pressão alta”, conta Expedito.
• “Meu filho começou a fumar maconha aos 12 anos. Na época, ele morava com o pai, também dependente de drogas. Eu só fiquei sabendo quando a direção da escola me chamou para falar que ele usava drogas no banheiro. Hoje, com 25 anos, é dependente de crack e não trabalha. Eu sustento a casa e meus cinco filhos, mas muitas vezes ele pega o meu dinheiro, mesmo estando escondido”, diz Luciene Rosa, 47 anos.
• Alessandra Ribeiro, 36, procurou o Programa Recomeço Família por causa do irmão. “Ele saiu de casa, mas vive nos ameaçando. Trouxe minhas três filhas para tratamento psicológico no programa porque elas estão muito assustadas por causa das ameaças.”
• “O que meu filho Eduardo(*) aprontou? Desmontou minha máquina de lavar roupas para vender as peças e comprar pedras de crack. Com medo de perder a geladeira e o fogão, tirei tudo da minha casa”, diz Ivanilde Santos Costa, 49 anos.
DOE, Seção I, 13/03/2014, Página de Notícias I