Retrato feito de detalhes
Biografia de Steve Jobs, do experiente Walter Isaacson, agiganta-se em 'minúcias'

Há algo que Walter Isaacson não conta na espessa biografia de Steve Jobs. Por exemplo, suas última palavras: “Oh wow, oh wow, oh wow”. Quem as contou foi Mona Simpson, ao encomendar o corpo no funeral do irmão. Mas é Isaacson quem revela como Jobs foi adotado depois de rejeitado pelos pais biológicos, o sírio Abdulfattah Jandali e a americana Joanne Schieble. Ao contrário de Jobs, Mona foi criada pela mãe natural, mas só veio a conhecer o irmão aos 25 anos, em 1985.


 


ReproduçãoPessoas observam imagem de Jobs na loja da Apple de Munique


Isaacson revela o que há de mais significativo na vida e na obra de Steve Jobs, seus altos e seus baixos, cuja baixa maior é sua entrega ao câncer, que ele erroneamente imaginava poder combater de forma heterodoxa, natural. Da obra, emerge o retrato de um sujeito irascível, detalhista, maníaco, mentiroso, recorrente ladrão de ideias ao mesmo tempo despojado e ambicioso, mas um gênio, um gênio zen.


 


Nesse extenso perfil desenha-se em detalhes o Steve Jobs dono de uma capacidade única de juntar ideias e pessoas na criação de produtos perfeitos, simples, lindos do ponto de vista do design e inspirados do ponto de vista de suas funcionalidades. Coisas como o iPod, iPhone, iPad e todas as variações do cultuado Macintosh, além da loja virtual iTunes e da própria Apple Store.


 


Este talvez seja o livro mais resenhado dos últimos tempos. A coincidência entre a morte de Steve e a pronta aparição da biografia ajuda nessa resenhação, mas o cuidado e a minúcia do mesmo biógrafo de Einstein e de Benjamin Franklin injetam grandeza à obra.


 


Isaacson chega a revelar até os detalhes de como se compunha a playlist do iPod de Steve: “a de um garoto dos anos 70 com o coração nos anos 60”. Nela havia também Bach e Yo-Yo Ma, o violoncelista franco-americano que Steve conheceu no Instituto Aspen (instituição dirigida pelo biógrafo) e que o impressionou a ponto de convidá-lo para tocar no seu casamento, o que não deu certo.


 


Anos depois, Ma visitou Steve e tocou Bach. Explicou que teria tocado aquilo no casamento. “Você tocando é o melhor argumento que já ouvi para a existência de Deus, porque não acredito que um ser humano possa fazer isso sozinho”, disse Steve. Naquele dia, tomado pelo câncer, fez Ma prometer que tocaria no seu funeral.


 


Planejamento e detalhes faziam parte de suas neuroses. A obsessão pelos detalhes angustiava-o por não poder controlar a experiência da compra dos seus produtos em uma loja qualquer. Daí nasceu a ideia de uma loja diferenciada, tanto no design (limpo, claro, amplo) quanto na experiência da compra.


 


Construiu maquetes, fez um protótipo, passou meses montando e desmontado ambientes com escadas e paredes de vidros, até chegar à forma final. Mostrou aos especialistas e à imprensa. “Talvez seja a hora de Steve Jobs parar de pensar tão diferente”, decretou a revista Business Week em reportagem cujo título não deixava por menos: “Desculpe, Steve, veja por que as lojas da Apple não vão dar certo”. Dez anos depois, as 317 lojas da Apple recebem em média 17.600 consumidores por semana com renda média por loja de US$ 34 milhões, quase US$ 10 bilhões de faturamento líquido anual. Comentário de Jobs sobre a loja na Quinta Avenida: “Rende mais do que qualquer loja de Nova York”.


 


Há muito a ser dito sobre o homem que levou a Apple a valer mais do que qualquer empresa (em agosto de 2011, o valor de mercado da Apple atingiu US$ 341,5 bilhões, 100 milhões a mais do que a Exxon, então no primeiro lugar), mas o espaço é pequeno. Entretanto, algo mais pode ser acrescentado para se compreender por que o mundo Apple é tão autorreferenciado e por que isso vem da determinação de Jobs pelo controle total.


 


Na impossibilidade, por exemplo, de controlar a pirataria da internet, ele decidiu impedir que as músicas armazenadas no iPod e no iPhone pudessem ser copiadas em qualquer outro lugar. As pessoas podem passar música de seu computador (mesmo pirateadas) para o iPod, mas não podem fazer o contrário. Nesse contexto, todo o sistema de downloads de softwares, de músicas, de vídeos e de filmes só funciona se o consumidor se conectar com a loja virtual iTunes.


 


Nada roda sozinho no mundo da Apple, mesmo e apesar do paradoxal bordão característico de seu criador maior: “Simplifiquem”.


 


CAIO TÚLIO COSTA É JORNALISTA, PROFESSOR DE JORNALISMO, ESPECIALISTA EM MÍDIA DIGITAL. EX-DIRETOR-GERAL DO UOL, PRESIDIU O IG E É SÓCIO DA MVL COMUNICAÇÃO


 


 


Fonte: Estadão.com.br