No bairro da Vila Buarque, região central de São Paulo, um casarão discreto de estilo eclético abriga uma escola cuja trajetória atravessa em muitos pontos a história do ensino e da prática de ciências sociais no Brasil. Em seus 80 anos de existência, a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP) teve entre seus professores Sérgio Buarque de Holanda, Luiz Alberto Moniz Bandeira e Rubens Borba de Moraes; e, entre os alunos, Florestan Fernandes (mestrado), Darcy Ribeiro e Fernando Altenfelder Silva.
Fundada em 1933 como Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, a Fesp-SP celebra o aniversário em pleno processo de recuperação, após um período de decadência que teve duas intervenções externas. Inaugurou um anexo moderno de dez andares em torno do antigo casarão para abrigar os 630 alunos de graduação e 524 de pós-graduação. Agora, a faculdade busca requalificar com a Capes o programa de pós, que, iniciado em 1941, foi um dos primeiros no Brasil, e voltar a publicar a revista “Sociologia”, que circulou entre 1939 e 1966 e foi um dos principais periódicos de ciências sociais e políticas no Brasil.
A faculdade surgiu do projeto de Roberto Simonsen, que, como engenheiro, pioneiro da indústria e político, pressentia a necessidade de formar quadros dirigentes no país que tivessem qualificação para comandar um processo de modernização econômica, não só na iniciativa privada, mas também no governo. Na época, outras “escolas livres” (denominação de faculdades sem vínculo com uma universidade) também surgiram, como a Escola Paulista de Medicina, hoje incorporada à Universidade Federal de São Paulo.
Com essa preocupação, em 27 de maio de 1933 assinou-se o manifesto de fundação da escola. Entre os signatários, constam os médicos Antônio de Almeida Prado e Raul Briquet, além de Mario de Andrade, cujos primeiros alunos trabalharam com ele no Departamento de Cultura do município, que ele também fundou e dirigiu.
As comemorações começam na segunda-feira, também 27 de maio, com um café da manhã com ex-alunos e uma palestra do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi ligado à escola. Outros eventos estão previstos para os próximos meses.
A narrativa oficial descreve a fundação da Universidade de São Paulo (USP) e outras instituições de ensino superior, como a atual Fesp-SP, como fruto da mobilização da aristocracia paulista em resposta à derrota em 1930 e 1932. Esse impulso estaria, por exemplo, expresso no parágrafo final do manifesto fundador da escola, em que o Estado de São Paulo é descrito como “moralmente ferido pelos dissabores dos últimos anos”.
Mas o professor Angelo del Vecchio, presidente do Conselho Superior da Fesp-SP, afirma peremptoriamente que essa interpretação não passa de lenda. “No manifesto, não consta nada a esse respeito. Ao contrário, aparece claramente que as respostas para os problemas do Brasil não estavam na República Velha. Roberto Simonsen e Mario de Andrade eram, antes de tudo, modernizadores e voltados para a industrialização”, afirma.
Ao contrário, Simonsen aproximou-se do governo Vargas depois de baixada a poeira do conflito de 1932, diz Del Vecchio. O engenheiro nascido em Santos buscava contribuir, com o apoio dos pesquisadores da Escola Livre de Sociologia e Política, para as iniciativas de industrialização do Brasil.
A ambição de Simonsen se reflete na orientação que, segundo Del Vecchio, é a marca da escola em sua origem e que seus atuais diretores buscam reproduzir: a ênfase nas ciências sociais aplicadas, a começar pelo curso de biblioteconomia da instituição. Já nos primeiros anos da escola, sob orientação dos sociólogos americanos Samuel Lowrie e Horace Davis, os alunos dedicaram-se a pesquisar as condições de vida dos operários e imigrantes que alteravam a realidade das cidades brasileiras.
Uma dessas pesquisas, comandada por Lowrie, é lembrada na escola com particular reverência. “Padrão de Vida das Famílias dos Operários da Limpeza Pública da Municipalidade de São Paulo”, ao investigar o cotidiano e as condições salariais de lixeiros e garis paulistanos, contribuiu para que fosse instituído o primeiro salário mínimo no país, diz Del Vecchio.
O administrador de empresas aposentado Ruy Barbosa Cardoso, hoje com 98 anos, foi estagiário nessa pesquisa, sob contrato do Departamento de Cultura dirigido por Mario de Andrade. Ele afirma que o trabalho pioneiro não é lembrado tanto quanto merece.
Cardoso lamenta que o desejo de produzir elites pensantes capazes de conduzir o país, tanto no setor privado quanto no público, jamais foi inteiramente bem-sucedido no Brasil e esse insucesso está expresso na crise que a escola atravessou. Nascido em Cerqueira César, interior de São Paulo, o ex-aluno tinha 18 anos em 1932. Mas não participou da luta contra Getúlio Vargas, lembra, pois seu pai era maranhense e varguista ferrenho.
O atual diretor acadêmico da instituição, o cientista político Aldo Fornazieri, aponta dois campos em que a ênfase em ciência aplicada é particularmente premente na atualidade. A primeira é a questão urbana, “que é central, agora que o mundo se tornou essencialmente urbano”, segundo Fornazieri.
“Em São Paulo, particularmente, todos sabem que o problema da mobilidade é capital. Mas a cidade já chegou a um ponto em que a mobilidade não se resolve mais apenas com medidas de circulação, mas com um novo entendimento da cidade”, completa.
Fornazieri ressalta que a cooperação com o poder público é uma política central da escola. O próprio cientista político coordenou a redação do programa de governo do atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e também realizou pesquisas que embasam os projetos do governo estadual paulista para a região metropolitana.
O segundo campo é epistemológico: segundo Fornazieri, as ciências sociais atravessam uma crise, pressionadas pelas exigências de mensuração e quantificação. Para o cientista político, essas exigências geram problemas de método e de objeto, quando aplicadas a um campo de estudo humano como o da sociologia, da política e da antropologia. Daí a necessidade de concentrar esforços na aplicação das teorias ao mundo real, de onde poderão sair as soluções efetivas para a crise das ciências sociais.
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